Pesquisar este blog

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Alegria

Quarta-feira, 22 de abril de 2009. Acordo sobressaltado, com a melodia do "Vamos vamos meu leão" na cabeça. Visto meu manto rubro-negro e vou à faculdade, onde encontro um verdadeiro reduto de fiéis torcedores do Sport: camisas das mais variadas épocas, mas todas com o escudo do Leão.

Mal voltei da universidade, já fui me aprontando para o jogo; vestindo a camisa, me percebi trêmulo, nunca estivera assim antes. Cheguei ao estádio às 19h, três horas antes do início. Nesse meio tempo, li jornal, esquentei os pulmões com a torcida e parei de tremer.

Começa o jogo. Primeiro tempo sem nada de extraordinário; os times já estão voltando para a etapa complementar. Logo cedo, o adversário marca o gol. Foi um desânimo total na torcida, toda aquela ansiedade por uma vitória tinha evaporado, o olhar se enegrecia, os pulmões se encolhiam, o coração batia sincopadamente. Mas dez segundos depois, estávamos lá, cantando de novo, foi um momento emocionante, e tenho certeza de que o time sentiu isso.

Dez minutos depois, o Sport chuta uma bola na trave, e, no rebote, de primeira, Moacir chuta a bola e a tira do goleiro. A torcida só esperava a fagulha encontrar o rastro de pólvora, e explodiu. Foi sem sombra de dúvidas a maior emoção que senti nos últimos tempos. A tristeza tinha evaporado, o olhar brilhava, os pulmões se intumesciam e se enchiam daquele ar carregado de cristais de esperança e confiança, o coração batia ao ritmo do cazá cazá. Estávamos entregues ao torpor, e alguma coisa nos dizia que viraríamos, garantindo a inédita classificação à próxima fase.

E o gol veio, aos 35 minutos do segundo tempo. E a certeza se consagrava, e a noite ficava clara como o zênite, e o duro concreto das arquibancadas nos impulsionava cada vez mais alto, e a voz, que se ia cansada, não precisava sair para que gritássemos. E descobria eu que tudo se faz de pequenas emoções, aparentemente inócuas e banais, mas que, quase sem percebermos, nos regam com imaginação e bom humor, essenciais para se decifrarem as mensagens da vida.

sábado, 18 de abril de 2009

Umas rimas

Falam que na matemática
Não se criam mais que números
Vejo apenas numa sátira:
A tal ideia é um cúmulo.

Logo bem nos presenteiam
Com esta simples adição:
Somem tudo a que anseiam
E lembrem sempre do irmão.

Adiante é conhecido:
Sem tirar nós não vivemos
Tire tudo que é sofrido
Viva mais e com bem menos.

Quero então a igualdade
Junto a ela a divisão
E para quem de nada sabe
Já formei uma fração.

Continuo essa marchinha
Com o vezes que me pena
E resolver essa continha
É o xis do meu problema.

Vejo o povo na patada
Com essa tanta teoria
Mas quem disse que em exatas
Não havia poesia?

FDBO

domingo, 12 de abril de 2009

Politicagem

Fiquei estarrecido com a capa da revista CartaCapital da semana passada. Nela se via Renan Calheiros garbosamente alinhando seu terno, e, logo abaixo, lia-se "Ainda por cima, Calheiros?".

Essa figura, o alagoano Renan Calheiros, já está há muito tempo na vida política brasileira. Atualmente, ele está refestelado nas acolchoadas poltronas do senado. Depois de quase ter sido cassado por causa de um ingênuo deslize (uso de terceiros para pagar contas pessoais) no período em que era presidente da casa, ele ressurge das cinzas e já mobiliza todo o seu exército de paladinos senadores para sair em sua defesa. E o pior: esse exército se envereda por todas as esferas do poder, até mesmo o Presidente da República, um ídolo meu, apoia Renan.

É bem simples o esquema de Calheiros. Tudo começa com os funcionários recém-chegados. Por exemplo, o novo secretário-adjunto do terceiro secretário da assessoria de imprensa de um determinado senador é convidado a um jantar com o nosso amigo RC. Lá, eles firmam pactos de amizade e companheirismo permeados de muitas promessas de cargos comissionados. Em compensação, é exigido que esse tal funcionário lhe acelere algumas papeladas de forma que os interesses de RC se propaguem de forma mais rápida e eficaz. "Me garanta seu voto em meu favor em tais projetos que lhe dou tais cargos". Assim ele reconquistou seu espaço na política, assim ele reatou as pontas do poder, assim ele se manteve na alta sociedade com Collor, FHC e Lula, mesmo com governos tão diferentes. E assim se constroi a rede de direitos e deveres dos excelentíssimos representantes do povo no poder.

O próprio RC reconhece os poderes com que se regozija. Questionado se se candidataria a governador das Alagoas, respondeu: "Pra quê, se aqui eu tenho muito mais poder?". Pois é, esse RC é todo prosa...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Valseando a vida

E a vida se constrói nos mínimos detalhes. A criança que se esperneia nos braços da mãe, daí vem o estridente choro que só a afinada garganta de um pré-jovem consegue executar. E o bar por perto, no qual se lê: Temos coroas. Me pergunto se a prevaricação já chegou à terceira idade, provavelmente não, deve ser somente uma nova mutação das palavras. Ah, as palavras, tridimensionais como ninguém, versáteis, amorfas, mas ao mesmo tempo limitadas pelo pensamento. Palavras são papagaios do pensamento, já disse Saramago.

Num alpendre daqueles anos-20, um casal discute o relacionamento, isso nos é tão inócuo, tão indiferente, como todo o ambiente que nos circunda no-lo é. E se vê um rosto. Aquele rosto. De onde mesmo? Já vi esse rosto. E se passa todo o tempo descuidado a se tentar se lembrar, até que se passa outro rosto: de quem mesmo? Mas essa rotina nos inflige danos irreparáveis... Já um restaurante exibe um cartaz: self service sem balança. Inteligência da nova burguesia, assim se poupa o cliente de se espantar com o peso do prato, finjo que não sei, finjo que não vi, então não me repreendo.

A tinta dos muros é ofuscada pelo brilhante-ao-sol spray das pichações. Ué, aquele piche não parece um hiragana?

E parece ser inevitável: por mais feio que se seja, por mais repugnante que se seja, sempre há alguém que lhe segue com o olhar, como se percebêssemos uma perturbação eletromagnética que se faz presente no exato momento em que um olhar nos é direcionado. Ah, aquelas graciosas moças que fazem do concreto sua passarela, que nos desviam do trânsito, que nos arrebatam uma saudade do último amor, ou do presente amor, ou uma vontade de um futuro amor.

Passa um carro auto-escola. Uma só pessoa no carro. Inegavelmente, é uma auto-escola por definição. Desviamo-nos da floresta de arranha-céus, mera imitação humana da natureza das sequoias. Essas árvores de cimento, tijolo, vidro, concreto, plástico, aço, ferro, petróleo, aquecimento global, efeito estufa, poluição. Adiante, num poste, se lê: Dor de coluna agora tem tratamento. Com certeza um poste não é um bom lugar para se expor a descoberta de um tratamento para a avassaladora destruição do humor a que a coluna nos subjuga.

Ali, sempre ali, àquela hora, se senta uma charmosa moça. Com suas pernas cruzadas cobertas com uma discreta calça lisa, cabelos negros e lisos amarrados sobrepostos ao harmonioso colo, que se deixa sublevar com o inspirar, expirar, inspirar, expirar, parece à espera de alguém em quem possa se amparar, se afagar, se deixar, se sorrir. Subitamente, não tão longe dali, a luz de um sorriso se propaga, como um candeeiro numa obscura caverna, sua alva tez agora traz contornos de certeza, finalmente o arrebatador da solidão lhe chegava, sua beleza resplandece como Jaci em límpidas e diáfanas águas, faz-se um espetáculo neste observador, que só contempla esse corriqueiro viver. E, a distância dos holofotes, a pequena vida acontece.