Pesquisar este blog

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Subúrbio

Acorda:
cama desfeita,
cabeça pesada,
sono regrado,
banho perfeito.

Banha-se:
cabelo desfeito,
olhos pesados,
tempo regrado,
banho perfeito.

Sai:
tempo desfeito,
passos pesados,
palavras regradas,
cabelo perfeito.

Chega:
paixão desfeita,
sorriso pesado,
roupa regrada,
perfeito.

Volta:
sorriso desfeito,
amor pesado,
sono sagrado,
vida perfeita.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Criar 8

Voltemos ao Observador e à Observadora. Estavam juntos.

- Por que seu interesse no Professor?

- Não sei. Ele me parece ser alguém diferente. Isso me chama atenção.

- Você sabe que, sendo uma observadora, não me contento com essa resposta.

- Sei. No fundo, dou-lhe a atenção que o mundo deveria lhe dar. No fundo, sinto que somos iguais. Uma reflexão mais profunda sobre o ser sempre redunda nisto: igualdade. Sou igual a você, que é igual ao Professor. Desejos, carinhos, ódio, remorso, frustrações, saudade, emoção, pavor, medo, dor, alegria, amor, traição, tentação. Essa é uma metonímia do conteúdo pelo continente. Todos nós temos esse mesmo conteúdo.

- Se somos iguais, por que a atenção no Professor especificamente?

- Porque sinto que ele também chegou a esse nível de abstração sobre o indivíduo, ao qual já chegamos. Se não, está muito perto, e com certeza vai sentir-se isolado por não saber lidar com esse conhecimento. Só quero dar-lhe o acolhimento de que sempre necessitei. Quero ser-lhe alguém com quem poderá sempre contar; alguém que ouvirá as loucuras de uma mente renovada; alguém que se importe com ele, coisa que nunca tive. Quero ser-lhe o que tu me és; quero entendê-lo assim como tu me entendes.

- Queres ser-lhe o professor.

- Tu me entendes, e eu te amo. Parece-me justo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Criar 7

Agora, uma pequena pausa para não confundir o leitor. Desde o início desta narrativa, estivemos a nos debruçar sobre o poder imaginativo do observador; todos os cenários, todos os enredos, tudo era fruto da fértil imaginação do observador. Entretanto, tamanha é sua capacidade imaginativa que em seus devaneios agora repousam os traços da realidade do mundo. O Observador, a Observadora e o Professor, além dos demais figurantes, são todos reais, e carregam as histórias boladas pelo Observador.

Após esse esclarecimento, voltemos à nossa história.

Após a incursão, o Professor sentiu vontade de parar o carro. Estava diante de um enorme prédio, estilo medieval, com larga fachada. Alguns simplistas poderiam chamar-lhe castelo; esteja o leitor convencido, porém, de que esse prédio não é um castelo: faltam-lhe a torre principal e o portão elevadiço.

Criar 6

O professor parecia decidido a fazer alguma coisa inusual; são não sabia o quê exatamente. Em seu carro, a velocidades nunca antes desafiadas, o professor não prestava atenção na paisagem exterior, mas se desdobrava a decifrar sua própria paisagem. Percebera, finalmente, que sua extrema sensibilidade aos outros anulava-o de alguma forma. Pareceu-lhe uma daquelas descobertas que conectam fatos antes isolados, sem conexão aparente. Agora sabia por que sua vida não era tão rica como a das pessoas que observava; agora sabia a causa de sua eterna tristeza. Enfim, o professor descobrira o amor.

Não aquele amor idealizado e demasiadamente mal-interpretado que vemos nas artes antiquadas; o professor descobrira o amor mais sincero e puro que pode haver; aquele que só existe para quem abre os olhos para si.

O amor é um espelho quebrado; só é pleno e perene quando remendamos suas rachaduras e podemos nos ver limpidamente em sua superfície. O amor independe de outra pessoa.

Criar 5

Não há necessidade de explicar a detalhes o que causou essa mudança em seu olhar. Só sabe, agora, que a Observadora lhe parece uma pessoa maravilhosa, talvez efeito dos aplausos a ela dirigidos. Percebe uma feição peculiar em seu rosto, desenhado caprichosamente para ser notado, com mandíbulas delicadas, ainda que notoriamente eminentes; cílios curtos e negros, assim como seus cabelos. Sua tez é límpida, alva, expressiva; ao mesmo tempo, percebe-se que esconde algo que talvez ninguém tenha coragem de descobrir. Sobre os singelos lábios repousa um batom vibrante, também enigmático, contrastante com a aparente tranquilidade que sua tez transmite.

Sem delongas, o observador vai ao encontro da Observadora. Nenhum receio lhe toma conta; sua confiança é assustadoramente inabalável, ou assim demonstra.

Ao se aproximar, como se fosse sensível às variações eletromagnéticas causadas pelos sentimentos do observador, a Observadora desvenda-lhe o rosto, logo reconhecendo-o daquela sobrenatural conversa. Visivelmente animada com sua presença, impulsivamente, sem palavras a proferir, jogou-se aos braços do observador, que, sem demonstrar surpresa, acolheu-a como se fora um velho amante.

Ainda sem haver proferido uma palavra, ainda sem sequer ter feito qualquer tipo de comunicação verbal, o casal dirigia-se a algum lugar tacitamente acordado.

Criar 4

O observador, agora, senta-se sobre uma mesa que, dado o alto grau de erosão pelo ininterrupto vento que é o tempo, ameaça desintegrar-se a qualquer momento. Lá, vê, de longe, um auditório vazio, cujas portas de vidro revestidas de película escura tentam esconder o vazio interior. Para o observador, porém, o auditório está repleto de vida, lotado, esperando pelo palestrante.

Quando este chega, qual terá sido a surpresa desse observador ao perceber que o palestrante é a Observadora, com quem mentalmente se comunicou algum tempo atrás.

Estão todos ansiosos pelo discurso da Observadora. Quem será?, o que deverá fazer da vida?

Sobe no pequeno palco que lhe fora montado e começa o colóquio.

O observador, deliberadamente ou não, desvia o pensamento do colóquio por um momento. Pára toda a ação e começa a olhar os espectadores. Negro com óculos, senhora com óculos, senhora de cabelos curtos, senhora loira e vistosa, rapaz extremamente comum, moça extremamente comum.

Subitamente, o observador perde o interesse pelo colóquio. Ouve a Observadora tagarelar mas não se concentra. Após algumas poucas horas de sono, a palestra termina, e o observador é acordado pela profusão de aplausos. Então, algo de diferente apossa os seus olhos.

Interessante

Sinto que o mundo não quer mais se mostrar interessante. Ninguém mais quer ser diferente, se exaltar, se emocionar, se mostrar. E ainda os outros são cerceados a serem também normais.

Espontaneidade, cadê? Por que ninguém conversa com pessoas estranhas? Com o vendedor, atendente, qualquer pessoa. Será possível que não vale a pena tirar um sorriso dessas pessoas? Ou será que elas não são vistas como pessoas, além de 'funcionários', 'trabalhadores'?

Cadê o interesse em coisas diferentes? Em campos além do trabalho ou do estudo?

O que torna você interessante? Você deixa que os outros percebam isso?

sábado, 27 de novembro de 2010

Eu

Estou a fim de falar um pouco sobre mim. Sinto que me colocando em algumas palavras, poderei fixar algumas características minhas, ou pelo menos pensar um pouco mais sobre elas.

Uma palavra que pode me resumir: observar. Gosto de andar de ônibus por causa disso; gosto de não-falar por causa disso; gosto de ficar só.

Mas muitas vezes não me limito a observar. O tanto que vejo na minha vida me incita certos pensamentos também. Impossível alguém observar tanto e não perceber o mal que é o dinheiro; como esse 'bem' acaba com nossa vida, nossas paixões. Desafio qualquer um dos assíduos e numerosos leitores deste blog a identificar nas ruas alguém com fortes indícios de felicidade. Nós reprimimos a felicidade; reprimimo-la em detrimento da fé ardorosa ao dinheiro, à corporação, à produção, à produtividade, aos rendimentos, ao 'trabalho que dignifica o homem'. Que trabalho é esse que dignifica o homem? Alguém vê, digamos, um cobrador ou um motorista de ônibus como retrato da dignidade trazida pelo trabalho? Alguém vê um taxista exaltar no peito: 'amo este trabalho'?

Qual a dificuldade em ver que essa busca pelo dinheiro atropela o bem-estar das pessoas? Por que não podemos trabalhar nas coisas pelas quais sentimos paixão?

Digo com toda a certeza: todo o mal estar que vemos nos ambientes empresariais; todo o mal estar provindo de crises econômicas; todo o malogro das famílias vítimas de um prédio mal projetado; toda a insatisfação provocada pelo stress; tudo isso é resultado direto da busca imediata pelo dinheiro, ou, dito de outra forma, resultado direto da falta de paixão no trabalho.

Mas não culpo tão fortemente os indivíduos que movem essas engrenagens. Não têm muita culpa. O problema é a falta de autoconhecimento. Não se pára para pensar: o que eu quero da vida?, que trabalho me faz sentir-me bem?

Por sua vez, isso já é problema do ensino mecanizado, padronizado, robotizado a que somos impelidos a nos submeter. Aí é que eu sinto minha responsabilidade.

Não sei se já comentei por aqui, mas pretendo ser professor para encarar essa questão da educação. Quero uma educação libertária, alternativa, em prol do bem-estar, em prol da arte, do autoconhecimento e da vida. E não me importo se alguns me vêm com aquele papo de utopia, como já aconteceu diversas vezes. Quando se encontra uma forte paixão, a indignação comum se transforma numa indignação poderosa, deixando de ser fonte apenas de reclamações, e tornando-se propulsora da vontade de buscar soluções.

Quero impactar essas mentes jovens, desmonetarizá-las, transformá-las em agentes de mudança, apaixoná-las. É isto que falta: paixão. Com a paixão, tudo fica lindo, e o bem-estar impera.

sábado, 30 de outubro de 2010

Criar 3

Naturalmente, pensa o observador, a vida daquele professor deve ser uma vida pobre de espírito. De manhã, todos os dias, deve chegar a seu departamento, desértico; debruçar-se sobre o computador, checar seu email, também desértico; ocupar-se, até a próxima aula, a preparar a aula seguinte. Quando chega seu período áureo - a aula -, põe em prática todo o seu planejamento rigorosamente. Dados o fervor e a exclusividade a essa ocupação, a aula é bem planejada e executada, apesar de seu eterno desgosto com seus alunos mais desvairados, que só são assim classificados devido à alta esperança de retorno que o professor espera de todo o alunato.

Ao término da aula, já lhe assombrando mansamente o pensamento da solidão, surge-lhe em frente um aluno querendo lhe falar.

- Professor, sua aula é completa; é a única da qual sinto que aprendi alguma coisa.

Pego de surpresa, o professor, recatado, desvia o olhar, como lhe é costumeiro, e agradece com um lacônico e sem-graça, porém pleno e sincero, "obrigado".

Esse acontecimento, nem tão poético ou relevante a olhos comuns, alivia de alguma forma nosso professor, pelo menos momentaneamente. Agora, ele poderá dividir o tempo da solidão com a alegria do reconhecimento de seu trabalho.

Segue agora a casa, onde sabe que ninguém o espera; onde o 'doce', do 'lar, doce lar' há muito azedou-se e tornou-se intragável. O observador percebe que o professor reluta insistentemente em voltar a seu lar.

Como se antenado às percepções do observador, o professor também percebe que não quer voltar a casa. Mas se não for esse o destino, para onde iria? Que lugar do mundo moderno poderá abrigar ao mínimo sossegadamente uma pessoa tão peculiar e recatada como nosso professor? Se existe tal lugar, provavelmente haverá outras pessoas circulando, comendo, bebendo, conversando, fumando. Que pessoas poderão suportar nosso professor?

Ruma a casa. Resigna-se.

Por dois segundos. Desvia do caminho natural e cai em vias que, à primeira vista, lhe são estranhas.

Criar 2

Está à sua vista uma moça com um caderno no colo, também sentada num banco público igual ao seu. Imagina, agora, o que ela deverá estar fazendo com o caderno aberto e caneta em punho. Dado o local onde se encontram, notório centro de inteligência das ciências exatas, é razoável esperar que a moça esteja se debruçando sobre algum problema da física; mas o observador prefere supor que ela esteja descrevendo a imaginação, assim como ele. Supõe, também, que ela está escrevendo sobre ele, numa metalinguagem infinita, como se seus pensamentos estivessem em ressonância. No ápice da criação, porém, chega à moça uma outra pessoa, que insensivelmente desbarata todo o processo criativo do observador e da observadora.

Distraído com a interrupção, o observador percebe passando-lhe próximo um indivíduo cuja fisionomia não lhe nega: é professor. Percebe em seu andar e seus olhos uma solidão profunda: olhar escorregadio e evasivo; andar descompassado e apressado. Imagina agora como será a vida desse indivíduo.

Criar 1

Sentado num banco público, observa as pessoas. Percebe variados cortes de cabelo, diferentes portes físicos, diferentes amores por descobrir.
Próximo, ali, à frente, um casal se rosna. A moça se deita sobre as pernas do rapaz, que repousa a mão direita no quadril da amada. Não é possível ver-lhes os rostos, mas isso não é necessário. A visão, por vezes, polui o imaginário, enodoa a criatividade. O observador, então, prefere desviar o olhar.

Quando percebe que está esperando o nada, sorri candidamente e pensa: "E se o nada nunca ocorrer?". Enquanto o nada não ocorre, distrai-se com as coisas, tão próximas de nada, que acontecem à sua volta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Ensino

Ninguém gosta de assistir aulas. Esse sistema está falido.

Nosso mundo está cada vez mais pluralizado, complexo. Essa complexidade nos incita a questionar, a falar, a participar. Mas alguém vê espaço para fazermos isso na escola ou na universidade?

Além disso, a informação, que antes era único critério da estrutura social, está perdendo seu valor: ela é praticamente gratuita por causa da internet. Qual a motivação que o estudante tem para sair de casa para assistir aulas?

Tenho pensado nessas perguntas, às quais tenho algumas respostas. Fica a reflexão. Pensem sobre o que está errado com o ensino, e como poderia melhorar.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tato

Minhas mãos sentem saudade
de ter as tuas.

Meus dedos sentem saudade
de dançar com os teus.

Meu rosto sente saudade
de pedir pelo teu.

Frio

O frio
me acabrunha.

O frio
liberta a saudade
Do amor
que não tive.