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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sempre

Como se chama a sensação corrosiva e sufocante que se tem por alguma pessoa?

Sinto isso há alguns anos pela mesma pessoa.

Temos anos de histórias. Tivemos um encontro. Um dia. Um dia do qual me arrependo fortemente, não sei bem por quê. Acho que sinto nela esse arrependimento.

Não fui a pessoa que eu queria que ela conhecesse. Nem cheguei perto. Fiquei inebriado.

Não sei falar fluentemente sobre minhas coisas, mas se ela ler, entenderá. Se ler, saberá que penso nela todos os dias, que tenho imensa vontade de ligar só para falar besteira, que tenho vontade de arranjar uma desculpa qualquer para voltar a encontrá-la. Saberá que, embora não pareça, tudo o que lhe escrevi é verdadeiro.

A essa altura, porém, espero que tenha em mente que muitas vezes ajo por impulso, e, por isso, me arrependo de muitas coisas. Seus eventuais questionamentos sobre meu comportamento em alguns momentos podem ser respondidos com uma frase de George Harrison: it's only me, it's not my mind.

Não tenho muitas esperanças de que essa pessoa vá ler este post. Mas enfim, sinto muito sua falta, de verdade.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Subúrbio

Acorda:
cama desfeita,
cabeça pesada,
sono regrado,
banho perfeito.

Banha-se:
cabelo desfeito,
olhos pesados,
tempo regrado,
banho perfeito.

Sai:
tempo desfeito,
passos pesados,
palavras regradas,
cabelo perfeito.

Chega:
paixão desfeita,
sorriso pesado,
roupa regrada,
perfeito.

Volta:
sorriso desfeito,
amor pesado,
sono sagrado,
vida perfeita.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Criar 8

Voltemos ao Observador e à Observadora. Estavam juntos.

- Por que seu interesse no Professor?

- Não sei. Ele me parece ser alguém diferente. Isso me chama atenção.

- Você sabe que, sendo uma observadora, não me contento com essa resposta.

- Sei. No fundo, dou-lhe a atenção que o mundo deveria lhe dar. No fundo, sinto que somos iguais. Uma reflexão mais profunda sobre o ser sempre redunda nisto: igualdade. Sou igual a você, que é igual ao Professor. Desejos, carinhos, ódio, remorso, frustrações, saudade, emoção, pavor, medo, dor, alegria, amor, traição, tentação. Essa é uma metonímia do conteúdo pelo continente. Todos nós temos esse mesmo conteúdo.

- Se somos iguais, por que a atenção no Professor especificamente?

- Porque sinto que ele também chegou a esse nível de abstração sobre o indivíduo, ao qual já chegamos. Se não, está muito perto, e com certeza vai sentir-se isolado por não saber lidar com esse conhecimento. Só quero dar-lhe o acolhimento de que sempre necessitei. Quero ser-lhe alguém com quem poderá sempre contar; alguém que ouvirá as loucuras de uma mente renovada; alguém que se importe com ele, coisa que nunca tive. Quero ser-lhe o que tu me és; quero entendê-lo assim como tu me entendes.

- Queres ser-lhe o professor.

- Tu me entendes, e eu te amo. Parece-me justo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Criar 7

Agora, uma pequena pausa para não confundir o leitor. Desde o início desta narrativa, estivemos a nos debruçar sobre o poder imaginativo do observador; todos os cenários, todos os enredos, tudo era fruto da fértil imaginação do observador. Entretanto, tamanha é sua capacidade imaginativa que em seus devaneios agora repousam os traços da realidade do mundo. O Observador, a Observadora e o Professor, além dos demais figurantes, são todos reais, e carregam as histórias boladas pelo Observador.

Após esse esclarecimento, voltemos à nossa história.

Após a incursão, o Professor sentiu vontade de parar o carro. Estava diante de um enorme prédio, estilo medieval, com larga fachada. Alguns simplistas poderiam chamar-lhe castelo; esteja o leitor convencido, porém, de que esse prédio não é um castelo: faltam-lhe a torre principal e o portão elevadiço.

Criar 6

O professor parecia decidido a fazer alguma coisa inusual; são não sabia o quê exatamente. Em seu carro, a velocidades nunca antes desafiadas, o professor não prestava atenção na paisagem exterior, mas se desdobrava a decifrar sua própria paisagem. Percebera, finalmente, que sua extrema sensibilidade aos outros anulava-o de alguma forma. Pareceu-lhe uma daquelas descobertas que conectam fatos antes isolados, sem conexão aparente. Agora sabia por que sua vida não era tão rica como a das pessoas que observava; agora sabia a causa de sua eterna tristeza. Enfim, o professor descobrira o amor.

Não aquele amor idealizado e demasiadamente mal-interpretado que vemos nas artes antiquadas; o professor descobrira o amor mais sincero e puro que pode haver; aquele que só existe para quem abre os olhos para si.

O amor é um espelho quebrado; só é pleno e perene quando remendamos suas rachaduras e podemos nos ver limpidamente em sua superfície. O amor independe de outra pessoa.

Criar 5

Não há necessidade de explicar a detalhes o que causou essa mudança em seu olhar. Só sabe, agora, que a Observadora lhe parece uma pessoa maravilhosa, talvez efeito dos aplausos a ela dirigidos. Percebe uma feição peculiar em seu rosto, desenhado caprichosamente para ser notado, com mandíbulas delicadas, ainda que notoriamente eminentes; cílios curtos e negros, assim como seus cabelos. Sua tez é límpida, alva, expressiva; ao mesmo tempo, percebe-se que esconde algo que talvez ninguém tenha coragem de descobrir. Sobre os singelos lábios repousa um batom vibrante, também enigmático, contrastante com a aparente tranquilidade que sua tez transmite.

Sem delongas, o observador vai ao encontro da Observadora. Nenhum receio lhe toma conta; sua confiança é assustadoramente inabalável, ou assim demonstra.

Ao se aproximar, como se fosse sensível às variações eletromagnéticas causadas pelos sentimentos do observador, a Observadora desvenda-lhe o rosto, logo reconhecendo-o daquela sobrenatural conversa. Visivelmente animada com sua presença, impulsivamente, sem palavras a proferir, jogou-se aos braços do observador, que, sem demonstrar surpresa, acolheu-a como se fora um velho amante.

Ainda sem haver proferido uma palavra, ainda sem sequer ter feito qualquer tipo de comunicação verbal, o casal dirigia-se a algum lugar tacitamente acordado.

Criar 4

O observador, agora, senta-se sobre uma mesa que, dado o alto grau de erosão pelo ininterrupto vento que é o tempo, ameaça desintegrar-se a qualquer momento. Lá, vê, de longe, um auditório vazio, cujas portas de vidro revestidas de película escura tentam esconder o vazio interior. Para o observador, porém, o auditório está repleto de vida, lotado, esperando pelo palestrante.

Quando este chega, qual terá sido a surpresa desse observador ao perceber que o palestrante é a Observadora, com quem mentalmente se comunicou algum tempo atrás.

Estão todos ansiosos pelo discurso da Observadora. Quem será?, o que deverá fazer da vida?

Sobe no pequeno palco que lhe fora montado e começa o colóquio.

O observador, deliberadamente ou não, desvia o pensamento do colóquio por um momento. Pára toda a ação e começa a olhar os espectadores. Negro com óculos, senhora com óculos, senhora de cabelos curtos, senhora loira e vistosa, rapaz extremamente comum, moça extremamente comum.

Subitamente, o observador perde o interesse pelo colóquio. Ouve a Observadora tagarelar mas não se concentra. Após algumas poucas horas de sono, a palestra termina, e o observador é acordado pela profusão de aplausos. Então, algo de diferente apossa os seus olhos.