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segunda-feira, 30 de março de 2009

O encanto

Nesses dias, tenho me perdido nos corredores de algumas reflexões. Claro, quase todas são baratas e inúteis, mas me é prazeiroso observar os grãos de areia da ampulheta apressando-se a escorregar ao nível abaixo. Isso me faz pensar que o tempo não é o que bem dizem os relógios, meras maquinetas desprovidas de qualquer capacidade de percepção, que não sabem diferenciar, por exemplo, cinco segundos de espera numa fila qualquer e cinco segundos de um divino silêncio durante o qual dois amantes se fitam candidamente. O tempo é a mais subjetiva das grandezas físicas, é uma coisa só nossa.

No meu reduzido círculo de contatos, tenho percebido como o amor abobalha o ser humano. Isso é incrível. Ouço (em inglês, o termo correto seria eavesdrop) aquelas palavras afetivas, aqueles apelidos, aqueles carinhos, e me é impossível não me transportar à minha segunda série do ensino fundamental, quando não precisava do amor para ficar abobalhado. Muitas vezes, obviamente, essas minideclarações são muito mais bonitas do que sinceras, mas isso não tira o encanto que o amor nos provoca.

Estamos sempre à mercê da correnteza do tempo: a idade nos joga um jato d'água fria a cada nova velinha no bolo, a alvura dos cabelos nos alerta que nossa aquarela está desbotando, as rugas na pele são mostras de que a alma já não mais sustenta o corpo. No entanto, eis que surge o amor, como um fenômeno anticíclico, um estranho que nos arrebata e nos protege da luz negra de um destino cruel. Eis que o ciclo da vida é interrompido e girado no sentido contrário. Eis que o tempo se maleabiliza, flexibiliza-se, dispersa-se; enfim, seu rigor arrefece. Agora, os grãozinhos da ampulheta esforçam-se a subir o escorrego à câmara superior. E a vida nos ressurge, e a vida amanhece.

domingo, 29 de março de 2009

Uns contos

No mundo da música clássica, apesar do eruditismo que lhe é tão peculiar, há tantos casos curiosos e engraçados que nos fazem pensar: aqueles compositores tinham muitos problemas.

Vou começar com um dos maiores gênios. Mozart sempre foi um rapaz extravagante, extrovertido, até inescrupuloso. Chegou a faltar a uma apresentação porque havia conhecido uma bela moça na ante-sala do teatro, e por lá ficou, com ela, desfrutando dos prazeres carnais que o dinheiro pode trazer. Na adolescência, o jovem gênio se apaixonou por Aloyse Weber, uma talentosa cantora de família tradicional. Tiveram um breve caso que envolveu tanto o compositor que já pensava no casamento. Entretando, Aloyse não sentira a mesma coisa, e logo que pôde, dispensou-o. Então Mozart se desesperou. Sentiu-se um fracassado, um incapaz, um impotente, um nada! Mas, como dizem sabiamente os jogadores de futebol, tinha que levantar a cabeça e preparar novas investidas. E foi o que ele fez. Resultado: acabou se casando com Constanze Weber, irmã de Aloyse.

Outro caso pitoresco é o de Tchaikovsky, compositor de belas melodias. Sua história não toma muitas linhas. Simplesmente ele quase se suicidou porque teve que se casar com uma mulher para esconder da aristocracia sua opção sexual. Já Chopin, depois de tantas desilusões com as mulheres, terminou por se casar com Aurore Dupine, mais conhecida como George Sand, notável senhora que se vestia como homem.

Temos também o caso de Schumann, compositor e pianista da Alemanha. Para começar, ele só tinha nove dedos nas mãos. O polegar direito era defeituoso e teve que ser parcialmente amputado. Isso, para um pianista, é como perder 10% da sua habilidade. Ainda pior: quando jovem, foi diagnosticada uma doença mental progressiva, quanto mais velho ficasse, maiores loucuras iria cometer. Depois de várias conversas com o finado pai, depois de várias internações em sanatórios, ele terminou por tentar o suicídio. Jogou-se de uma ponte, ainda com a camisa de força lhe espremendo o desejo (não sei como ele fugiu do hospital com essa camisa...) e caiu no gélido rio que cortava a cidade. Foi resgatado, mas morreu só, na sarjeta. Depois da sua morte, ficou-se sabendo que sua mulher, Clara Schumann, mantinha relações extraconjugais com outro grande compositor, Brahms. Definitivamente, Schumann não era feliz.

Agora casos curtos. Beethoven estava numa carroça voltando para casa quando a roda do veículo enguiçou. Não foi possível o conserto, então toda a viagem se seguiu com aquele grunhido da roda de madeira, "nhéém, nhéém". Era disso que Beethoven precisava. Genialmente, percebeu o ritmo e a melodia e já foi matutando sua sexta sinfonia. Quem a ouvir vai perceber a repetitividade da melodia, e ainda os agudos dignos de uma roda enguiçada. Bernstein, compositor norte-americano, já declarou numa entrevista que muitas das melodias de suas músicas já existiam ou foram aprimoradas por ele. Seria um impostor? Não, ele simplesmente passava a tarde toda, todas as tardes, no Central Park, em Nova Iorque, ouvindo o que as pessoas assobiavam, então ele misturava tudo e só espalhava uns sopros de tuba aqui ou lá.

Enfim, este post saiu um pouco dos meus padrões, porque quero transformar este blog num recanto mais ameno e diversificado. Aliás, é comum que o teor dos posts venha acompanhado pela maré do meu humor. Incrível o que o término de uma semana de provas pode fazer ao humor de alguém.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ao som da lira

O aprazível clima que me foi trazido pela chuva me desperta no tato e no olfato aquele ambiente agradável, onde temos de nos abraçar a alguém para nos ser saciada a fome do calor.

Nós, estirados no sofá-cama, esparramados de muita massa italiana, azeite, amor e beijos. Durmo nos braços dela, ou ela nos meus, afinal revezávamos. Vejo que seus olhos estão fechados, talvez se questionando no íntimo, no escuro, se tudo isso lhe é real, ou se uma hora as cortinas irão fechar-se e o palhaço rir-lhe da cara. Rugas de preocupação se lhe surgem no rosto. Discreta e suavemente, verto-lhe um delicioso e sincero beijo na testa, com medieval cautela. A diáfana cortina dos seus olhos me é descoberta acompanhada melodiosamente por um sorriso daqueles que só aparecem quando a felicidade é tão grande que precisa extravasar.

Ah, aquelas noites, só nós, e isso bastava. Esperávamos o nada acontecer, e este, complacentemente, não aparecia. Assim se prolongavam os minutos, intermináveis, pelo menos enquanto pudesse me encasular naqueles braços. E o sono? Ah, este havia sido deixado para trás junto à tristeza e à solidão, que insistiam em me abusar o relógio.

Docemente, espreguiçávamos, já que todos os músculos estavam a bocejar - menos um, que palpitava como uma frenética maria-fumaça. A televisão estava ligada? E as palavras... flutuavam, contorciam-se, rodopiavam, escondiam-se. E então se tem um fenômeno. É como se houvesse uma constante universal acoplada à equação de atração dos corpos. Uma constante completamente abstrusa ao nosso olhar cientificista. Não se a vê, mas se a sente, sabe-se que existe. Tudo parece gravitar em torno dos dois corpos que, inexplicavelmente, aproximam-se com voluptuosidade. É tal o enlevo que transcende o real, o paupável; fecham-se, pois, os olhos, que são contaminados pela realidade e entravam a imaginação. Daí as cores e as formas têm suas rédeas desintegradas. No momento do enlace dos lábios, quando finalmente podemos sentir de perto toda a atmosfera viciante, parecemos acordar do morto mundo em que vivemos; encaixota-se e despacha-se o pensar e descobre-se o sentir, como quem abre os olhos para a verdadeira felicidade.

domingo, 22 de março de 2009

Uns casos

Este post terá caráter "meu querido diário" porque estou a fim de falar do dia de hoje, somente.

Levanto-me da cama, resisto a seu tentador canto de sereia. Primeira coisa em que penso: tenho reunião com o Olhos Abertos, um pequeno grupo de jovens da minha idade que combinaram de se reunir quinzenalmente para discutir alguns temas pré-determinados. Fico muito animado no dia do nosso encontro, simplesmente adoro falar com pessoas com quem tenho algumas características em comum.

Passei a manhã toda estudando cálculo. Incrível a mecanização que esse estudo me impõe. Aliás, é incrível a mecanização que todo o sistema nos impõe. Quem tem tempo para se expressar artisticamente? Quem tem tempo para ler?, para escrever?, para criar? Essa fria mecânica me gela o rosto, me chama ao mundo material. Não sei como a maioria da população consegue viver sem a arte, sem a espontaneidade. Deve ser muito monótono viver sem apreciar as róseas bochechas de uma criança, sem sentir o inefável prazer de beber um copo d'água, sem se arrepiar com o friozinho da chuva, sem se arrepiar com o doce e suave olor das gardênias, sem se arrepiar com uma bela passagem de um noturno de Chopin. Não consigo imaginar uma vida saudável sem isso.

Começo a imaginar como será meu trajeto para o ponto de encontro do grupo, a livraria Cultura, numa das ilhas de Recife. Decido ir de ônibus a fim de conhecer melhor a cidade. Logo depois de atravessar a ponte Princesa Izabel, avisto dois indivíduos vindo em minha direção. Olho ao meu redor e não vejo mais ninguém, a não ser um casal à mesma distância dos dois outros indivíduos. Pressinto o perigo, uma espécie de ameaça flutuando no ar, como quem percebe a massa de nuvem que cobre o céu se crispar à espera de que um trovão se deflagre. Então, apresso o passo, tentando manter a calma. Esses dois sujeitos também aceleram o ritmo até que chegam a mim. Um deles me aborda: Tem cinquenta centavos aí? Calmamente, digo que não, e, então, logo depois, o mesmo cara fala: Passa o celular. Minha mão dentro do bolso direito gelou, mas por acaso peguei o celular, mesmo que por instinto. Pela primeira vez fora assaltado. Senti como é ser refém da sociedade. Entretanto, não me abalei muito. Imaginei como deve ser a sensação de ser diariamente assaltado pela sociedade, como eram aqueles dois pobres indivíduos, que tudo o que conseguiram foi um velho e ultrapassado celular. Como deve ser a vida deles? O que será que irão fazer com o dinheiro conseguido injustamente? Quem deverá comprar um aparelho daqueles? Enfim, eu sei que eles não são totalmente culpados por isso. Pode parecer besteira, mas é o que eu realmente penso.

A discussão da reunião fica para outra oportunidade, porque agora não quero me prolongar. Vou aproveitar para saciar minha sede com um revigorante copo d'água, talvez o maior prazer que a vida nos proporcione.

sábado, 21 de março de 2009

A análise

Volto a escrever antes do que previa. Ainda mais por estar em semana de prova na faculdade.

Deu-me vontade de expressar aqui uma característica minha que particularmente me fascina: a vontade de analisar. Adianto que não há segredos no método de analisar as coisas. É tudo sempre muito igual, no primeiro plano: confronto de idéias, de conceitos, de filosofias. A análise se edifica basicamente sobre os alicerces das experiências pessoais de cada indivíduo, que, muitas vezes, deslocam o equilíbrio do pensamento para o lado que mais convém ao observador. É precisamente o peso dessas experiências na análise que deturpa seus resultados.

Sempre me considerei de esquerda. Houve vezes, até, em que me considerei comunista convicto. Há umas semanas, porém, comprei um livro de Sardenberg, este convicto no modelo de gestão de direita. Sob o pretexto da necessidade de se conhecer bem os dois lados antes de escolher um caminho, comecei a ler algumas palavras da direita. Há passagens interessantes, como o fato de o Brasil não ser declaradamente capitalista de mercado, mas um eterno socialdemocrata, quando, na verdade, adotamos todas as políticas econômicas neoliberais. Ele também fala que o Brasil não vai pra frente exatamente porque nos falta o capitalismo. O que me causa estranheza é que, para ele, não existe capitalismo de esquerda, mas só o neoliberal. Passemos adiante. Uma das ressalvas mais reiteradas do livro me foi marcante. Esse famigerado sistema neoliberal, que nos mergulhou nesta crise cujo crepúsculo cisma em se atrasar, é o mesmo que permitiu nesta última década acelerado crescimento em todo o mundo. Seja em termos de tecnologia (biocombustíveis, robótica, e mais recentemente uma provável cura do Parkinson), seja em termos de riqueza. Este termo, riqueza, merece uma projeção maior.

A riqueza a que me refiro não é a distribuição de renda. É sabido que, com a informatização da economia, o capitalismo de Adam Smith não transfere capital por osmose. Então, essa riqueza é simplesmente o enriquecimento de pessoas. Por exemplo, os mais ricos enriqueceram muito, assim como os mais pobres enriqueceram, mas bem menos. Assim, a desigualdade aumenta mas com um aumento da qualidade de vida da maioria. O que eu questiono é que, com uma maior fatia do PIB destinada a programas sociais em todo o mundo, o crescimento poderia ser bem mais equilibrado, com a maioria vivendo cada vez melhor por mais tempo.

Mas aí me vem a parte das experiências pessoais interferindo na análise. Esse sistema de crescimento acelerado... é sustentável até quando? Quero dizer, até quando poderemos intervir na natureza nesse ritmo para nos saciar a sede de capitais? Aí me fala mais alto a consciência ecológica. Há uns 10, 11 meses, eu menosprezava o papel da natureza no crescimento. Pra mim, tudo tinha que servir ao homem. Mas aí vi que simplesmente não dá para ser assim. Não podemos nos regozijar com os recursos naturais a nosso bel prazer. Temos um dever que, a meu ver, deve ser intrínseco ao ser humano: por termos a racionalidade, devemos usá-la para o bem geral. Por isso me alio à esquerda. Por isso, mesmo fazendo uso de alguns devices neoliberais, não me iludo com essa ideologia de direita. Agora me considero desenvolvimentista somente até o ponto em que os direitos da natureza são preservados, com o homem respeitando o ciclo natural das coisas. Passando desse ponto, me considero antidesenvolvimentista convicto. Acho que é isso que chamam de adepto do desenvolvimento sustentável.

Há tanta coisa para se falar desse tema mas agora não quero me prolongar mais. Não vou vomitar tudo o que eu penso em tão pouco tempo, aí faltaria assunto para conectar a próximos posts. Só queria ressaltar novamente que absolutamente tudo vem da observação. É importantíssimo aprimorar a capacidade de observação e de análise e não se deixar cegar por títulos. É fundamental aliar racionalidade com sensibilidade. Ainda estou nesse meio caminho, difícil de se trilhar. Mas depois disso, só pode sair coisa boa.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sem faustos

Depois de algum tempo pensando, decidi, afinal, criar meu blog. Nos rincões do mundo cibernético, nas mais escuras esquinas desse tempestuoso ambiente, este blog surge. Quero deixar claro que não escrevo estas palavras para que outros leiam: o único motivo dessa minha nova empreitada é aliviar a mim mesmo desse claustro sócio-intelectual que não me tem permitido difundir minha visão sobre as coisas em geral.

Não periodicamente, devo postar por aqui. Se me ocorrer alguma reflexão que me passe pelo crivo do interessante, devo compartilhar no blog. Provavelmente alguns pensamentos sairão da diáfana barreira do bom senso e rondarão a obscuridade, a filosofia barata e axiomas totalmente inúteis. Mas enfim tenho a necessidade de passar adiante algumas coisas.

Como matéria de opertura, gostaria de divagar sobre algo que se tem perdido nas enérgicas mas mecânicas rotinas: a observação. Todos os dias, eu volto da UFPE no famigerado ônibus Rio Doce/CDU. São 22km de viagem, 1h 30min sob o branco sol do meio-dia. Enquanto a maioria se deleita, no seu reduzido espaço, com MP3 ou seja lá qual for o device eletrônico, eu me contento com a observação. Procuro me sentar na cadeira da janela, para maior conforto. Então começo a olhar para a paisagem que se move. Vejo o rosto de quantas pessoas puder. Sempre olhando nos olhos, não sei bem por quê. Talvez assim eu possa decifrar aquelas rugas, que podem ser de um baque momentâneo ou de algo que já vem de muitos invernos. O interessante é que todo o mundo tem suas rugas. São aqueles empecilhos que nos impedem de seguir adiante. Isso fica muito claro quando se toma um tempo a observar as pessoas.

Uma coisa que me tem acompanhado desde sempre nestas observações, é que eu não consigo olhar para a pessoa do meu lado. Não dá. Me reservo a escutá-la, a perceber-lhe alguns movimentos, ou, quando muito, a decifrar seu reflexo no vidro da janela. Mas não olho pro lado. Simplesmente me sinto mal. E o resultado disso: um tremendo torcicolo, todos os dias. Deixemo-lo de lado. Não gosto muito de fazer associações em planos tão diferentes, mas será que o fato de eu não olhar pro lado explica a dificuldade que tenho de me definir?, de olhar para mim mesmo e identificar minhas próprias rugas? Não sei mesmo.

Enfim, uma outra constatação que me preocupa é a baixíssima quantidade de sorrisos que me refletem resquícios de alegria. Muito poucos sorrisos. Isso é preocupante, há alguma coisa que não está certa. Não sei bem o que deve ser, mas lá vão meus cegos tiros. Rotina exaustiva, carga de trabalho exaustiva. Motivos óbvios, endossados pela poluição, pela poeira que teima em acompanhar a trajetória dos ônibus, pelo sol que nos irradia tanto ultravioleta que nos torra a paciência num clique. Ok, mas como melhorar isso? Essa pergunta projeta uma sombra enorme. Se eu for discorrer sobre isso, não vai dar certo. Deixe-se pro próximo post, quando eu estiver a fim.

Só pra concluir, queria resgatar o hábito da observação. Tudo vem com a observação. Isso é o princípio de tudo. Nunca deixemos de lado esse poder. Em outros posts, vou falar mais sobre o que tenho observado e mais algumas filosofias baratas.