Pesquisar este blog

segunda-feira, 30 de março de 2009

O encanto

Nesses dias, tenho me perdido nos corredores de algumas reflexões. Claro, quase todas são baratas e inúteis, mas me é prazeiroso observar os grãos de areia da ampulheta apressando-se a escorregar ao nível abaixo. Isso me faz pensar que o tempo não é o que bem dizem os relógios, meras maquinetas desprovidas de qualquer capacidade de percepção, que não sabem diferenciar, por exemplo, cinco segundos de espera numa fila qualquer e cinco segundos de um divino silêncio durante o qual dois amantes se fitam candidamente. O tempo é a mais subjetiva das grandezas físicas, é uma coisa só nossa.

No meu reduzido círculo de contatos, tenho percebido como o amor abobalha o ser humano. Isso é incrível. Ouço (em inglês, o termo correto seria eavesdrop) aquelas palavras afetivas, aqueles apelidos, aqueles carinhos, e me é impossível não me transportar à minha segunda série do ensino fundamental, quando não precisava do amor para ficar abobalhado. Muitas vezes, obviamente, essas minideclarações são muito mais bonitas do que sinceras, mas isso não tira o encanto que o amor nos provoca.

Estamos sempre à mercê da correnteza do tempo: a idade nos joga um jato d'água fria a cada nova velinha no bolo, a alvura dos cabelos nos alerta que nossa aquarela está desbotando, as rugas na pele são mostras de que a alma já não mais sustenta o corpo. No entanto, eis que surge o amor, como um fenômeno anticíclico, um estranho que nos arrebata e nos protege da luz negra de um destino cruel. Eis que o ciclo da vida é interrompido e girado no sentido contrário. Eis que o tempo se maleabiliza, flexibiliza-se, dispersa-se; enfim, seu rigor arrefece. Agora, os grãozinhos da ampulheta esforçam-se a subir o escorrego à câmara superior. E a vida nos ressurge, e a vida amanhece.

Nenhum comentário:

Postar um comentário